Estava ali terminando meu sorvete antes, e uma idéia surgiu.
Vou escrever um livro.
Um livro de histórias dos velhinhos do bingo.
Agora eu explico.
Tudo comecou a dois anos atrás quando descobri que o bar da esquina promovia bingos.
Os prêmios, artigos de 1,99. Sim, eu não tinha nada pra fazer e lá vou eu.
No comeco achei meio monótono, mas bati uma vez e me empolguei. Fui de novo, de novo, e mais uma vez.
No outro verão a mesma coisa, toda terca e domingo eu ia lá. Cada bingo 5 reais mais o lanche.
No final dessa temporada, veio a conta: 130,00. "Como vocês conseguem gastar 130,00 reais em bingo e sorvete?" briga minha mãe. "Muito fácil, mãe. Quer que eu te ensine?" respondo eu.
(tá eu não falei isso, e ela nem brigou comigo, só disse que era pra gente manerar no ano que vem)
Mas em fim, cá estou eu com muitos potes de plástico e panos de louca. Os maiores premios que já ganhamos foi minha irmã quem ganhou: uma pipoqueira e uma mortadela de cinco quilos.
Bom, antes de todos esses bingos e tal. Perai, vou explicar uma coisa: Seu Celso e Dona Mirian são os donos do bar da esquina. Do outro lado da rua há uma sorveteria (que já foi farmácia um dia). Nós abrimos conta ali todo comeco de verão, e no final nós pagamos.
Agora tá explicado, e eu posso contar a histórinha.
Quando ainda era farmácia, do lado de fora eles faziam crepes. Lá ia a Débora, Amanda, Mariana, e Fernando comprar crepes.
Quatro chatos/pentelhos que iam pedir crepes de chocolate pra dona Mirian. Só que nunca tinha o chocolate que a gente queria, e lá ia o Seu Celso comprar Baton no Mercado. E a gente ficava incomodando a Dona Mirian enquanto isso. Esperávamos o crepes ficar pronto e comíamos lá mesmo. Logo em seguida o Quarteto Fantástico voltava pra casa.
Pois então. Fugi do assunto.
Durante os bingos conhecemos muitas pessoas idosas, afinal, as únicas criatura abaixo de 55 anos eramos nós ali. Foi assim que ficamos conhecendo o Seu Rui (mais conhecido como Seu Ruim), o Seu Cardoso ( que só tem um ou dois dentes na boca), a Dona Elvira (acompanhada por Nina, sua cadelinha), Dona Teresa, a velha de bigode com cheiro de Naftalina, a Marlene, e finalmente a Hilda Chaminé. Cara, ela fuma o bingo INTEIRO. Sem parar. E esses tempos me acusou de estar olhando dentro do saco, o que foi um absurdo, e na hora Dona teresa me defendeu, como nós duas (eu e minha irmã) somos as fofinhas e queridinhas do Bingo. Na verdade eu tava olhando sim, roubando pra minha irmã. Mas isso não interessa, e o que passou passou. Só sei que a Chaminé não falou mais comigo (ainda bem porque ela é chata pra caramba) e eu não cantei mais.
Esses tempos mesmo ela tava falando pra mulher do seu Rui, toda orgulhosa, que sinha pintado o cabelo sozinha, em casa. E DAÍ? Me diz. E DAÍ???
Como eu odeio aquela mulher.
Pois então, tirando ela, os velhinhos tem muitas histórias para contar.
E era sobre isso que eu queria falar no meu livro.
Por exemplo o seu Rui e sua mulher. São casados a 40 anos e enfrentaram muitas dificuldades pra ficar juntos. Um de família rica e a outra sozinha na vida. Fugiram juntos e continuam ai até hoje, indo em bingos todos os dias.
Seu Cardoso foi adotado por um casal muito legal, mas perdeu eles num acidente de carro ainda jovem. Muito tempo depois perdeu a mulher e se afogou na bebida. Com a ajuda da filha única se curou e hoje está ai, só com um ou dois dentes na boca.
Pois é. Com essas e outras histórias de bingueiros, eu poderia montar um livro.
Tá, não vou. Quem sabe um dia.